La Poderosa
Em 1952 dois jovens argentinos saem de Buenos Aires no pico do Verão com o objectivo de atingir por terra o extremo norte da América do Sul, a Venezuela, trepando pela espinha vertebral do continente.
Percorreriam milhares de quilómetros de mota, La Poderosa, e a pé, cruzando os Andes na Patagónia, escalando o continente até passarem novamente para o lado oriental da cordilheira, no Perú, para uma estadia programada em San Pablo, uma colónia de leprosos nas margens do Amazonas.
Alberto e Ernesto planearam quatro meses de viagem e levaram oito. Principalmente para Ernesto, assim nos contam, foi a alvorada da sua consciência social e política, o contacto com realidades diferentes, desde os imigrantes alemães, foragidos de uma guerra longínqua que os ventos patagónicos apenas disfarçam, até aos indígenas peruanos, Incas de orgulho e título.
Ernesto fez 24 anos em San Pablo. Contam-nos que discursou tomado pelas ideias que nele despertavam, sentenciando que a América do Sul teria fronteiras falsas, que todos esse povos não seriam mais que um único, desde a Colômbia até Magalhães, a remota região austral chilena.
Ernesto aqui tornou-se Guevara. O "Che" viria mais tarde.
Na viagem, ou melhor, no filme da viagem, ressaltam as convicções, a irreverência, a energia e a determinação do que é ainda um ícone do século XX e um modelo. A cena da travessia nocturna no dia do seu aniversário, depois do discurso e da leitura do Manifesto do Partido Comunista, simboliza a grandeza da sua determinação em mudar o mundo, aqui na vontade de estar com os pacientes, ostracizados na outra margem do rio mais caudaloso do mundo.
Todos torcem por ele. Ele chega. Conseguiu.
Alberto e Ernesto embarcam numa jangada, saboreando a corrente do Amazonas até à Colômbia e daí para Venezuela. Alberto fica e despedem-se no aeroporto. Oito anos depois, Alberto muda-se para Cuba a convite do seu amigo, agora coronel da Revolução Cubana.
O filme não responde à minha pergunta: como se tornou aquele jovem médico asmático num guerrilheiro?!
Uma sucessão de acontecimentos pela América Latina, entre prisões e discursos, terão levado a que fosse para a Guatemala, onde conheceu Raul Castro.
No México conheceu Fidel Castro e os revolucionários cubanos no exílio. Embarcou no "Granma" em Dezembro de 1956 para tomar a ilha, mas os revolucionários só conseguiriam entrar em Havana depois de 3 anos de guerrilha comandada a partir da Sierra Maestra.
Com a Revolução, é nomeado Coronel e vai assume vários cargos no Governo Revolucionário e no partido.
Em 1965, após enúmeras visitas a países subdesenvolvidos e contactos com os oprimidos do mundom, despertaram nele o sentido rebelde, a missão de combater o imperialismo das nações abastadas.
Partiu. Com uma despedida. Ao povo de Cuba. A Fidel.
Dois anos mais tarde foi assassinado na Bolívia, contam-nos que numa emboscada promovida pela CIA.
Confesso que nunca fui admirador de personagens fugazes, e o "Che" parece-me uma delas. Determinado, por certo, com o afã de percorrer mundo a combater desinteressadamente causas que não seriam a dele, era argentino, não cubano muito menos congolês.
Se não compreendo como se torna um rapaz, medico, asmático, de boas famílias num guerrilheiro nunca hei-de compreender como se tornam homens que defendem a liberdade em ditadores tão sanguinários e repressivos, como se a esquerda e a direita não estivessem num plano mas numa esfera: quanto mais para a esquerda se caminha, passando pela extrema, dá-se a volta e cai-se no abismo totalitário, no caldeirão de ideias de esquerda com ascedência fascista, no turbilhão do pensamento nazi reciclado por revolucionários vermelhitos sem escrúpulos.
Empossado do comando da Fortaleza La Cabaña, em Havana, o Che foi também responsável por mortes, fuzilamentos deorrentes de julgamento sumários, sem advogado ou recursos, injustiças jutificáveis pela Revolução.
Nunca hei-de comprendeer o que leva um homem que fala de liberade a perpetuar-se no poder uma vida inteira, com a atitude paternalista das ditaduras fascistas, por achar que foi escolhido, enviado, empossado para infernizar a vida dos que não têm escolha.
Che Lives... para quê?
O filme tem bonitas paisagens, mas só quem já entra convencido da alegada grandiosidade e integridade de Guevara é que sairá convencido disso mesmo.
Para os outros, não é mais que um filme. Baseado numa história verdadeira. Poderosa.