Esparsos e parcos apontamentos

sexta-feira, maio 20, 2005

Os Conquistadores

Lá vais tu caravela lá vais
e a mão que ainda me acena do cais
dará a esta outra mão a coragem
de em frente em frente seguir viagem

Será que existe mesmo o levante?
haverá quem ainda um dia nos cante?
ando às ordens do nosso infante
e cá vou fazendo os possíveis

Ó ei deita a mão a este remo
além são só paragens do Demo
quem sabe é só um abismo suspenso
só vendo mas o nevoeiro é denso

Será que existe mesmo o levante?
haverá quem ainda um dia nos cante?
ando às ordens do nosso infante
e cá vou fazendo os possíveis

Mas parai!, trago notícias horríveis
parai com tudo
já avisto os nossos conquistadores

Vêm num bote de madeira talhado em caravela
com um soldado de madeira a fazer de sentinela
com uma espada de madeira proferindo sentenças
enterrada que ela foi no coração doutras crenças
enterrada que ela foi sua sombra era uma cruz
exigindo aos que morriam que gritassem: Jesus!
com um caixilho de madeira imortalizando o saque
colorindo na vitória as armas brancas do ataque
até que povos massacrados foram dizendo: Basta!
até que a mesa do comércio ainda posta e já gasta
acabou como jangada para evacuar fugitivos
da fogueira incendiada pelos outrora cativos
e debandou à nossa costa a transbordar de remorsos
mas a rejeitar a culpa e ainda a pedir reforços

Sérgio Godinho Campolide (1979)

Aniversário da chegada de Vasco da Gama à Índia.

sábado, maio 14, 2005

Sete e Pico

Quase a chegar a casa quando a brisa me trouxe a canção

Eram praí sete e pico
Oito e meia, nove e tal...

Bom fim de semana a todos

segunda-feira, maio 09, 2005

A Morte Saiu À Rua

A morte saiu à rua num dia assim
Naquele lugar sem nome para qualquer fim
Uma gota rubra sobre a calçada cai
E um rio de sangue de um peito aberto sai

O vento que dá nas canas do canavial
E a foice duma ceifeira de Portugal
E o som da bigorna como um clarim do céu
Vão dizendo em toda a parte o Pintor morreu

Teu sangue, Pintor, reclama outra morte igual
Só olho por olho e dente por dente vale
À lei assassina, à morte que te matou
Teu corpo pertence à terra que te abraçou

Aqui te afirmamos dente por dente assim
Que um dia rirá melhor quem rirá por fim
Na curva da estrada hà covas feitas no chão
E em todas florirão rosas de uma nação

Zeca Afonso Cantar de Novo (1973)

segunda-feira, maio 02, 2005

Poema 7

Inclinado en las tardes tiro mis tristes redes
a tus ojos oceánicos.

Allí se estira y arde en la más alta hoguera
mi soledad que da vueltas los brazos como un náufrago.

Hago rojas señales sobre tus ojos ausentes
que olean como el mar a la orilla de un faro.

Solo guardas tinieblas, hembra distante y mía,
de tu mirada emerge a veces la costa del espanto.

Inclinado en las tardes echo mis tristes redes
a ese mar que sacude tus ojos oceánicos.

Los pájaros nocturnos picotean las primeras estrellas
que centellean como mi alma cuando te amo.

Galopa la noche en su yegua sombría
desparramando espigas azules sobre el campo.

Pablo Neruda Veinte poemas de amor y una canción desesperada (1924)